Queremos falar e ser ouvidas

Apesar de toda a presença e de toda a competência que mulheres têm e conseguem impor hoje, não é o suficiente para que sejam aceitas e tenham sua opinião e suas ideias valorizadas. Estamos presentes em maioria nas universidades, estatisticamente mulheres ocupam mais os espaços e proporcionam bons resultados no que decidem fazer.

Segundo informações do último senso do IBGE (2010), 23,5% das mulheres com 25 anos ou mais possuem ensino superior completo, contra 20,7% dos homens.

Aparentemente estamos evoluindo bem, participando, contribuindo, trabalhando (ainda que acumulando jornadas), estamos no meio, somos parte. No entanto, o que também faz parte é o tratamento distinto que temos. Ou seja, chegamos, entramos, sentamo-nos, falamos, mas não somos ouvidas.

Esse tratamento de descaso e de desprezo pelo que pensamos e por nossas ideias faz parte de nossa rotina em casa, na família, com amigos e no trabalho. Isso significa que uma mulher, em qualquer lugar e/ou ambiente, pode ser interrompida em sua fala e na exposição de sua opinião sem cerimônia, sem constrangimento por parte de quem interrompe, que em regra é um homem. Somos interrompidas durante nossos raciocínios para ouvir que estamos erradas, que estamos nervosas, que estamos exagerando ou simplesmente para que quem interrompeu explique o que nós estamos dizendo, como se não fôssemos capazes de nos expressar de forma satisfatória.

Esse movimento de interromper a fala de mulheres é conhecido pela expressão em inglês “manterrupting”, um neologismo que surge da junção das palavras “man” (homem) e “interrupting” (interrompendo) para indicar a interrupção desnecessária da fala de uma mulher.

Essas interrupções são frequentes nos ambientes de trabalho e em discussões que envolvem assuntos mais delicados ou com algum grau de complexidade. São resultado, não é demais repetir, de nossa sociedade que mantem um comportamento padrão, em uma dinâmica machista e preconceituosa que funciona no modo automático, que não questiona, não critica. Uma sociedade que prefere viver imersa numa falsa normalidade.

Então, é necessário deixar claro que não falamos de algo esporádico e sem maiores implicações. Falamos de ocorrências recorrentes, com profissionais sérias que têm que reagir e tentar expor suas ideias sem serem interrompidas, de uma forma clara. Falamos de mulheres como a candidata a vice presidente dos Estados Unidos Kamala Harris, ela que se viu constrangida e interrompida por seu adversário em um debate há poucos dias. Kalama precisou se colocar de uma forma elegante e pedir para ser ouvida, para que fosse estabelecido um diálogo.

Enfim, ainda é desafiador para uma mulher se colocar no mesmo patamar que um homem, há sempre uma reação, ainda que inconsciente, de fazer essa mulher parar, de não dar crédito ou mesmo de menosprezar. Precisamos seguir pedindo para falar.

* Em caso de necessidade própria ou de outra mulher que esteja passando por qualquer tipo de violência, entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. Este é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. As ligações para o número 180 podem ser feitas de qualquer aparelho telefônico, móvel (celular) ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, aos finais de semana e feriados inclusive.

Referências bibliográficas:

IBGE. Estatísticas de gênero: uma análise dos resultados do censo demográfico 2010. 2014. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE Diretoria de Pesquisas Coordenação de População e Indicadores Sociais.

 

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO- OIT. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 19 de outubro de 2020.

 

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